sábado, 19 de dezembro de 2015

Ensinar as crianças a tomar decisões

Você já se sentiu paralisado? Sem saber dar o próximo passo? Ou sabendo o próximo passo, não conseguiu se mover?

Por que isso acontece? Como evitar que aconteça conosco e, um dia, com nossos filhos?

Novembro foi um mês muito produtivo por aqui. Participo de um programa de coaching que está ajudando a tornar idéias reais.

Mas com a entrada de dezembro, tudo ficou "trancado". Mil coisas pra fazer: vamos mudar para um país novo, temos que empacotar, doar, jogar fora. Muita coisa pra terminar no trabalho. Despedidas na escola, consultas médicas, dentista. Papéis pra organizar. Esperamos o visto, esperamos a passagem, entregar apartamento, procurar casa nova. E as minhas atividades do coaching que também estagnaram.

Não quero mais ter que resolver nada, quero que tudo se resolva sozinho, que alguém resolva por mim. Quero a minha mãe!!!! Tudo ficou difícil. É aquela coisa do "são crianças como você / o que você vai ser quando você crescer". Será que nossos filhos também precisam passar por isso?



Justamente ao ter tanta coisa pra fazer, tudo paralisa. Tem muitos motivos pra isso, mas quero falar especificamente da terceirização de nossas decisões desde cedo.

Nossa educação foi terceirizada para a escola - e nem estou falando da primeira infância. Quem decidia o que você ia aprender dos 6 aos 17 anos eram os professores. Quais conteúdos de matemática, física, geografia. Afinal, eles são os especialistas! Depois vamos pra faculdade, com a ilusão de que estamos escolhendo um caminho conhecido. Quantos de nós percebem depois que deveriam ter feito outro curso?

Nossa saúde é terceirizada para profissionais - mais capazes que nós de decidir! A dieta, o que comer e não comer. A contracepção. Os exames. A atividade física. Tudo é ditado! O que vestir, o que comprar, o que ler e o que pensar. Que trabalho escolher, onde é cool morar.

Mais pra frente, escolhem por nós o nascimento de nossos filhos. O que e quando eles devem comer, quanto precisam engordar, o que precisam ter. Nos dizem com que idade devem andar, falar e ler. A história começa a se repetir.

Não digo aqui que não temos livre arbítrio. O que quero dizer é que sempre há alguém para resolver por você, se você deixar. E não ter que escolher é sempre mais fácil, já que não somos ensinados a fazer escolhas. Em muitas famílias, os pais resolvem cada probleminha até que o filho saia de casa. Aí de repente temos que dar um salto ornamental sem antes aprender os pulinhos e piruetas básicas. Nunca pagou nem o almoço e de repente tem que pagar aluguel e se administrar. Nunca fez nada em casa e se espera que possa ser independente.

Precisamos ensinar nossos filhos a tomar decisões, tomar as rédeas de suas vidas. Estou escrevendo um livro sobre isso. É difícil ver nossos pequenos correndo riscos quando podemos protegê-los. Mas não tenho dúvidas de que vale à pena – eles terão mais facilidade que nós para lidar com dilemas existenciais.


E eu nesse dezembro? Eu fui ali, surtei um pouquinho, mas já voltei! :D

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Parentalidade como catalisador de mudanças

Quando uso o termo parentalidade aqui, a idéia é substituir “maternidade” e “paternidade”, pois essa ação catalisadora pode acontecer independente de sexo biológico, gênero ou sexualidade.

É certo que, mesmo em 2015, ainda são as mulheres-mães que acabam sendo mais frequentemente e mais profundamente transformadas pela maternidade, quer queiram ou não. Ainda são elas que, na maioria dos casos, ficam em casa além da licença-maternidade, são elas que amamentam, são elas que levantam à noite. São elas que, ao retornar ao trabalho, por opção ou necessidade, assumem a maternidade como apenas mais um papel entre todos os que já desempenhavam. Mas nesse momento de retorno ao trabalho, nem sempre as coisas acontecem como esperado. As peças não parecem se encaixar e surge uma inquietação “inexplicável”. Ela não está feliz em casa com o filho, nem está feliz no trabalho longe dele. O trabalho não faz mais o mesmo sentido que fazia antes, ela é uma pessoa diferente.

Cobranças e julgamentos por todos os lados. Do empregador, desprezo por ter engravidado e “sugado” uma licença-maternidade, possível baixa na produtividade e arranjos de horários. É quase como se exixtisse algo no mundo mais importante do que a empresa – o horror! Do resto do mundo, o julgamento pela escolha de quem vai cuidar da criança. Deixar na creche não pode. Deixar com os avós não pode. Deixar com babá não pode. Deixar de trabalhar não pode. Falo da mulher porque geralmente é sobre ela que recaem sobre todas essas responsabilidades, escolhas e culpas, apesar de ela não ter engravidado sozinha.

Mas essas mudanças são apenas as mais comuns, quase compulsórias. Quero falar de mudanças muito mais profundas, daquelas que fazem com que as peças deixem de se encaixar. A parentalidade sacode e quebra verdades, principalmente para a pessoa que passa a ser o cuidador principal. Principalmente no primeiro filho, mas não necessariamente. Na mulher que gestou, geralmente se atribui essas mudanças ao puerpério. E o puerpério é, em parte, responsável por elas e um período ideal para mergulhar dentro de si mesma e viver essas transformações.

Atribuir essas mudanças apenas ao puerpério seria uma extrema simplificação. Os hormônios com certeza fazem sua parte, mas o surgimento de uma vidinha que depende da sua é o principal. Casais que adotam passam por isso, pais biológicos passam também,e avós ou quem quer que passe a ser responsável pelo bebê passa também. Desde que agarrem a oportunidade.

A parentalidade traz infinitos questionamentos e novas necessidades. Existem as perguntas que naturalmente trazemos conosco. Algumas pessoas mais, outras menos. Algumas pessoas as ouvem mais, outras menos. Passamos naturalmente por mudanças de paradigmas e crenças ao longo da vida. O que há de errado com o mundo? A que propósito serve minha vida? Existe possibilidade de mudança? Como posso tornar o mundo melhor?

Mas se você nunca se fez nenhuma dessas perguntas, a maternidade ou paternidade com certeza as trará. E o meu pedido aqui é, por favor, ouçam essas perguntas, essas mudanças que vêm do âmago, essa vontade de melhorar o mundo. Busquem uma resposta. Mesmo que não haja uma verdade absoluta, é a busca por ela que melhora as pessoas e, consequentemente, o mundo. Se você é ou está para se tornar mãe, o puerpério é o período ideal para isso. Se você é pai, mergulhe nisso. Se abra para a vulnerabilidade que um bebê representa.


Quando me tornei mãe, estive ocupada demais para ouvir todas as perguntas. Eu quis atender a muitas demandas, quis continuar a faculdade. Fiz o que precisava ser feito e não me arrependo. Mas isso me trouxe um processo de transformação muito longo, ainda em andamento. Por outro lado, conheci pessoas (sim, mulheres, as estatísticas não mentem!) que mergulharam profundamente em si mesmas nos primeiros meses de maternidade. E o resultado desse mergulho é impressionante. São essas mulheres que vou entrevistar em dezembro e janeiro, para começarmos o ano inspiradíssimos!

segunda-feira, 8 de junho de 2015

A interação que nos faz humanos

Acho que uma das grandes perguntas do ser humano é o que nos torna o que somos. E parece que uma das grandes coisas que nos separa dos outros primatas é justamente a capacidade de fazer perguntas. Um chimpanzé que aprende linguagem de sinais básicas para se comunicar com humanos consegue responder perguntas, mas não há registro de que eles tenham feito perguntas durante essas interações.

Mas quando exatamente o ser humano passa a ter essa capacidade? Sabemos que crianças de 3 a 5 anos, principalmente, passam por uma fase onde têm perguntas intermináveis: onde, como, por que, como funciona, por que não pode, por que precisa. Mas muito antes dessa idade já é possível perceber o interesse da criança no funcionamento do mundo. Meu filho tinha menos de dois anos quando se apaixonou profundamente pelas nuvens e pelo trovão. Ele parava e escutava atentamente aquele barulho e queria saber o significado. Explicamos ludicamente que “uma nuvem bate na outra e aí faz barulho e chove”. Ele passou a repetir a explicação pra quem quisesse ouvir cada vez que via as nuvens ou ouvia um trovão ou a chuva. Não sei dizer quando essa capacidade de perguntar e essa necessidade de explicar surgem, mas não tenho dúvidas de que elas têm muito a ver com a essência humana.

Acontece que nem todo ser humano desenvolve a capacidade de perguntar. Algumas semanas atrás, meu filho perguntou por que o Tarzan é mais forte que as outras pessoas, consegue subir nas árvores, se comunica com os animais e ainda assim consegue se comunicar com humanos. Tentei explicar sobre ele ter aprendido todas essas coisas enquanto crescia. Chegamos no assunto de crianças que cresceram na selva e, mesmo depois de encerrada nossa conversa, acabei procurando textos, teorias, notícias sobre aquilo que chamam de “feral children”: crianças criadas com animais e que adotaram comportamentos daquele grupo.

Li sobre crianças abandonadas ou perdidas e que foram adotadas por animais. Elas desenvolvem o comportamento que observam naquele grupo da qual se sentem parte. Em casos de negligência extrema onde a criança mora com a família ou outras pessoas mas não tem  a interação e o estímulo adequados, muitas vezes a criança também não desenvolve a linguagem, a comunicação e a capacidade de fazer perguntas. Algumas vezes a criança se recupera e volta a aprender, outras não. Depende por quanto tempo que ela foi exposta a essa situação e também da idade que ela tinha quando isso começou.

Então que interação é essa que nos torna humanos? Então falar com a criança é suficiente? Mas digamos que a criança cresça numa família de surdo-mudos. Isso obviamente não quer dizer que ela não se desenvolverá como ser humano. Não é a fala em si, mas a interação. Contato direto. Carinho, cuidado, alguém que mostre como o mundo funciona e que não tenha medo de fazer as perguntas junto com a criança. De olhar para as situações com curiosidade. De ouvir o que ela tem a dizer.

Em alguns dos projetos dos quais participo se avalia o desenvolvimento intelectual e motor da criança, além do comportamental. Comecei a me fazer muitas perguntas sobre o que influencia o desenvolvimento infantil em diversas fases. É muito claro o quanto as interações familiares durante a vida têm um impacto. Crianças de famílias com menos ou mais dinheiro, dessa ou daquela etnia, que falam uma ou outra língua em casa. Tudo isso afeta um pouquinho. É claro que para um desenvolvimento intelectual adequado é necessário um mínimo de acesso a alimentos e estímulos externos. Mas também são fatores determinantes a interação (o cuidado, o envolvimento emocional, um adulto constante em que se possa confiar) e o  estímulo ao aprendizado.

As conexões que nos fazem humanos são como uma teia
Aí está a pergunta que muitos pais se fazem: mas afinal que estímulo é esse? Preciso de brinquedos ultra-coloridos que cantam sozinhos? Preciso colocar música clássica para meu bebê e vídeos ensinando os números e o alfabeto para que ele aprenda a ler, escrever e debater as leis da física aos 3 anos de idade?

A resposta curta é não. A resposta longa é nããããããããão. Brincadeira. A resposta longa é que o estímulo que o bebê precisa não é esse. O bebê precisa de exemplo e carinho. Fala-se tanto por aí que para aprender a se alimentar bem a criança apenas precisa do exemplo dos pais. Ela vai comer o que eles comerem. Que para aprender a cuidar do meio-ambiente precisa de exemplo. Se você jogar lixo no chão ela também vai.

Então no desenvolvimento intelectual não é diferente. Se você passar horas no computador/tablet/smartphone é isso que a criança vai querer fazer. Se você viver com a televisão ligada, ela vai assistir. Se você ler, ela vai se interessar por livros. Se você olhar para a natureza (seja o céu, as plantas, os animais) com curiosidade, seu filho vai ter a mesma curiosidade. Se você andar pela rua com pressa de chegar ao destino, a criança não vai gostar. Porque é da natureza dela prestar atenção às coisas pelo caminho e ficar quinze minutos olhando a minhoca que ela viu na beirada do canteiro. Mas se você insistir muito em não olhar para o lado, com o tempo a criança vai perder esse interesse e essa capacidade.


O que nos faz humanos é muito complexo. É uma mistura de carga genética (inclusive a capacidade de aprender línguas está nos nossos genes) com diversas interações com o meio-ambiente. A cultura é algo fundamental no nosso desenvolvimento como seres humanos. E a transmissão da cultura começa na família, a primeira sociedade da qual a criança faz parte. Aí podemos também perguntar o que é a cultura. Mas aí eu não paro mais de falar! ;)

sábado, 6 de junho de 2015

Recuperando o imprinting roubado quase 8 anos após o nascimento

Alguns dias atrás tive um momento de intimidade emocional tão grande com meu filho que me inclino a comparar ao imprinting do nascimento. Aconteceu na hora de dormir e após um momento de descontrole meu onde tentei impor minha vontade sobre a dele.
Quando ele saiu do banho me mostrou uma bolinha vermelha que parecia uma mordida de mosquito. Quantas e quantas vezes na vida ele já havia me mostrado outras assim, pedindo sem palavras que eu passasse a pomadinha que ameniza coceira. Foi praticamente automático abrir a portinha do armário do banheiro e pegar a tal pomada. Já com a bolotinha de geléia no meu dedo, pronta para passar, ele demonstrou nojo e apreensão. A tal pomada não dói, não é nojenta, no máximo geladinha. E eu lembro, de criança, a sensação de alívio daquele geladinho.
Então, depois de um dia longo e cansativo, depois de me esforçar pra colocar meu filho na cama num horário decente porque no outro dia ele tinha aula, depois de cozinhar o melhor jantar que eu podia, depois de separar com carinho o pijama para que ele não passasse frio enquanto procurava, depois de escovarmos os dentes juntos, depois de fazer o meu melhor em todos os sentidos, ele não quis aceitar a simples pomadinha, um gesto de cuidado que tentei oferecer. Logo rotulei aquele comportamento de frescura, de exagero, e falei “vamos passar sim”. Peguei o braço dele e passei a pomadinha em um segundo, carinhosamente. Ele me olhou, com os olhos cheios de lágrimas já rolando abaixo pelas bochechas mais lindas desse mundo. E me falou “mãe, não foi tu mesma quem disse que só eu é que tenho direito de decidir qualquer coisa sobre meu corpo?”.
Meu mundo caiu. Que tipo de mãe sou eu? Como é que eu não tinha percebido a violência (por mais relativa que seja) do meu ato? Só porque eu estava cansada tinha o direito de passar por cima dos meus valores e daquilo de mais precioso que ensinei? A autonomia, independência, respeito por si mesmo e pelo outro. Quão importante era aquela pomada naquele momento? Não tinha nada a ver com a pomada, e sim com meu cansaço, adultismo e, por que não dizer, ego. Necessidade de mostrar quem é que manda, de mostrar como o meu ponto de vista sobre o assunto era mais válido que o dele e de encerrar o assunto. O que é que estou ensinando? Que tudo o que dizemos, por mais importante e verdadeiro que seja, perde o valor se quisermos demonstrar poder. O que eu faço agora? Como é que eu conserto a minha cagada?
Sentei e expliquei que sim, ele estava certo. Eu estava errada e tinha sido boba. Tinha me excedido. Mas eu concordava com ele e eu não tinha direito de ter feito o que fiz. Comentei que ele tinha estado mais sensível a coisas como aquela desde o acidente. Que havia passado a hesitar mais quando eu o toco. Perguntei se ele tinha medo e ele confirmou. Perguntei se ele sabia por que e ele negou. Resolvi que era um bom momento pra retomar mais uma vez o assunto do acidente. Eu entendia o que ele sentia e resolvi mostrar isso, porque ele não tinha as palavras. Eu já passei pelo que ele passou. Então falei muitas coisas e ele só confirmava com a cabeça, chorando. Que ele tinha ficado assustado quando aconteceu. Que ele tinha sentido dor. Que ele tinha sentido medo de contar como aconteceu, porque sabia que tinha feito “algo errado”. Reafirmei que o que ele tinha feito não era nada demais e ele não precisava sentir vergonha ou medo, por mais que não devesse repetir. E que apesar (ou por causa) desse medo de falar do que aconteceu, ele se mostrou muito forte. Mais forte do que era. Quis andar até o carro em vez de ser carregado. Falou que não sentia dor. Falou de assuntos triviais. Sorriu. E conforme eu falava disso que aconteceu no dia do acidente, ele confirmava tudo com a cabeça e chorava.
Então cheguei no ponto que tinha mais a ver com a história da pomada. Quando chegamos no hospital ele tinha que contar o que aconteceu por mais medo que tivesse. Ele tinha que deixar as pessoas do hopital verem e tocarem no machucado, por mais que doesse. Ele tinha que confiar nelas. Ele tinha que esperar pra ser atendido. E quando chegava a enfermeira ou a médica, ele tinha que deixar que elas cuidassem dele. Ele tinha que confiar naquelas pessoas que nunca tinha visto antes. Falei de como ele teve que aceitar ser anestesiado para a sutura. E tudo isso não é fácil, de maneira nenhuma. Eu já passei por isso, falei. E por mais que houvessem outras situações, a que me veio à mente com mais força para que eu pudesse contar foi o nascimento dele mesmo. Falei de como tive que confiar em pessoas (sendo que a maioria eu não conhecia). Falei de como me senti sozinha. De como foi difícil pra mim, naquele momento, não ser forte o suficiente para cuidar dele, e ter que ouvir o choro dele enquanto eu ficava deitada naquela cama na sala de recuperação. De ouvir as enfermeiras com ele e de não ter poder nenhum de decisão sobre o meu corpo ou sobre o dele. E de como, quando passou, tive que esquecer tudo aquilo e superar para seguir com a vida. Mas que aquela situação me mudou muito. Eu vi que ele também entendia tudo o que eu tinha passado.
Como era de se imaginar, eu também estava aos prantos enquanto falava disso para o meu filho. Tive que admitir que não sou toda-poderosa. Que num dos momentos mais importantes da nossa vida fui muito frágil, indefesa. Eu então pedi perdão ao meu filho naquele momento por tudo que aconteceu. A primeira vez que falei, acho que ele pensou que eu pedi perdão pela pomada. Ele só disse “claro, né, mãe?” Nunca vou esquecer do tom na voz dele enquanto falava isso. Então eu resolvi ser mais clara. Pedi perdão pela pomada. E depois pedi perdão pelo que passamos quando ele nasceu. Por não ter sido capaz de fazer diferente e lutar por nós. Perdão por não saber.
O renascer de mãe e filho de quase 8 anos

Nos abraçamos no escuro e choramos juntos. Nos olhamos nos olhos com a luz que vinha da fresta da porta e, ambos com os olhos cheios de lágrimas, ambos cheios de emoções à flor da pele, ambos com empatia um pelo outro e por si mesmo, ambos perdoando um ao outro e a nós mesmos. Chorando e sorrindo. E foi então que eu senti que nosso momento roubado tinha sido finalmente vivido de alguma forma. Nosso momento de imprinting, de reconhecimento, de compreensão mútua e da conexão emocional mais íntima que pode existir. Claro que já tivemos momentos super íntimos antes, que somos conectados e que nos compreendemos. Mas não assim. Eu não tenho dúvidas de que esse foi o momento mais bonito da minha vida. Foi quando me senti mais viva. 

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Minha páscoa: religiões, cultura, família, consumismo e nutrição

As manhãs de páscoa da minha infância passei procurando chocolate escondido. Com irmãos e primos. Na sexta-feira tinha peixe de diversos tipos e lembro até de algumas vezes ir colher Marcela bem cedinho. E no Domingo aquele churrasco com milhares de acompanhamentos que a família toda fazia. Era uma grande festa da família reunida, assim é que eu via.

Raramente ganhávamos ovos desses enormes que tem por aí. A idéia era que, comprando chocolate normal (bombons, barras, o famoso bis e mini-ovos), sobrava mais dinheiro. Vinha mais chocolate e dava pra todo mundo, dividindo irmãmente. E sim, comprar. Era isso que eu via acontecer. Nunca fui levada a acreditar em coelho da páscoa nem em papai noel e muito menos fada do dente (que anda cada vez mais popular). E não acho que tenha perdido muita coisa.

Acontece que agora moramos longe. As páscoas do meu filho não têm sido, em geral, uma grande festa, reunião familiar. Somos nós 3 curtindo um ao outro. Basicamente um fim-de-semana normal. E também não tem coelho da páscoa aqui em casa. Então... que páscoa é essa? Comecei a pensar de novo no que ela pode significar e como podemos vivê-la.

Cresci frequentando a igreja. E conversando sobre histórias bíblicas. O meu ateísmo não desfaz o significado dessas histórias, ele as ressignifica. A história cristã da páscoa é sobre ressurreição, sobre renascimento e renovação. E também é assim a história da pessach judaica. Uma passagem, uma nova vida. E quando buscamos as origens das duas festas, e da sua data de comemoração, podemos perceber a ligação com rituais pagãos. Não estudei nada disso a fundo, então posso estar errada. Mas aparentemente o nome Easter (inglês para páscoa) vem de uma deusa chamada Éostre: deusa da fertilidade e do renascimento na mitologia anglo-saxã. O coelho é símbolo da páscoa porque é muito fértil. E o ovo que ele entrega também é símbolo de uma vida nova (e as crianças, coitadas, juram que o coelho bota ovo, mesmo que ninguém fale... pra elas é simplesmente lógica a associação!).

Então por que todas essas festas sobre nova vida e renovação nessa época? Porque a páscoa é comemorada no primeiro domingo de lua cheia do outono? Não é simples e claro? No hemisfério norte (de onde claramente veio a páscoa, afinal não foi dos índios americanos e nem da África), é o começo da primavera. Depois daquele frio todo, da neve e da introspecção, vem a primavera. A renovação de toda vida, o renascimento das flores e folhas nas árvores, a época onde muitos filhotes nascem. Então o significado é esse... primavera, vida, renovação, passagem. Assim como o Natal é comemorado no auge do inverno no hemisfério norte (no Brasil temos a festa junina no auge do inverno) e no verão eles têm o midsummer, o dia mais longo (que é quando nós comemoramos natal e ano novo, vida nova!). O outono é que fica meio esquecido aí no meio, né?

Ok... e daí? O que é que eu posso fazer com isso? Como ensinar ao meu filho esse significado de renovação e manter uma tradição cultural de páscoa sem o envolvimento de religião, sem consumismo e sem nos enchermos de chocolate? E sem ter a tradicional festa familiar, o churrasco e etc?

Primeiro conversamos sobre renovação e sobre a origem de todas essas festas. Expliquei, como leiga, a libertação do povo judeu e a passagem pelo deserto, e como se comemora a pessach. Expliquei, como pessoa que cresceu dentro da igreja, a história da crucificação e ressurreição e como eu a vejo. Expliquei sobre o renascimento na primavera. E a idéia é também podermos usar esse período pra renovar nossas relações familiares. Que onde vemos a repetição de algo irritante, de comportamentos que não gostamos uns nos outros, possamos enxergar uma possibilidade de mudar. Possamos também experimentar coisas novas, lugares novos, comidas novas.

E sobre o consumismo, trazendo o que aprendi na infância e juntando o que acredito e quero ensinar ao meu filho: o não-consumismo, ou o pouco consumismo. Resolvemos não comprar ovos. Resolvemos fazer nosso chocolatinho em casa, esconder um pro outro, e também fazer para os amigos. Resolvi não comprar forminhas de ovos ou de coelho. Passamos o fim de tarde da quinta-feira derretendo chocolate e colocando em forminhas de gelo com nossos recheios preferidos. No sábado à noite, a idéia é esconder e no domingo procurarmos juntos. O meu filho só não vai ser a criança que está dormindo e de manhã acorda pensando que o coelho veio. A páscoa não é feita pra ele, mas com ele. Ele é parte do processo, parte da família, não uma coisa separada.

E a nutrição? Por que eu coloquei ela no título? Coloquei no final porque é a parte menos importante, a meu ver. Primeiro porque não vamos nos encher de chocolate. Segundo porque é só um dia. Mas achei que era preciso mencionar. Porque o que acontece pra maioria das famílias é que vem um monte de gente querendo presentear a criança com um ovo “pra não passar em branco”. Aí ganha um de cada tio, tia, dindo, dinda, vô e vó. E acaba com uma quantidade incrível de chocolate caríssimo. E a páscoa vira só isso, às vezes. A velha história da cultura da comida como comemoração. Que é ótimo. Só acho que não dá pra ser só isso. E nem também tanto disso.

Essa é a nossa páscoa possível e prazerosa. Sem grande família, sem encontros no sítio, sem churrasco, sem ovos gigantes. Mas com amor, carinho, significado, trabalho em conjunto e renovação.


segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A busca por uma vida mais organizada – Parte IV – Da organização propriamente dita



Este texto tem quatro partes. Esta é a última. Aqui estão as partes I, II e III.
 
Agora começa a parte difícil: colocar em prática! Pra ajudar, fiz um esquema de horários para o Apolo nas férias. Não se trata de ter uma rotina rígida, engessada, essa é a última coisa que quero. A ideia é que ele possa ter uma expectativa do que vai acontecer em cada parte do dia, quando pode fazer barulho, requisitar mais a minha atenção, e quando é horário de acalmar. Pra que ele não se frustre de eu não estar disponível e saiba que teremos nossos momentos.


A programação de férias ficou assim:

7h - 9h: "quiet time"
Quer dizer, trocar de roupa e tomar café-da-manhã pra começar bem o dia, e depois disso brincar um pouco em brincadeiras mais calmas, sem barulho e sem esperar que eu possa dar tanta atenção (bom, aquela coisa, louça, roupa, etc, e se possível um tempo pra mim). Nesse horário coloquei como sugestão brincar de massinha, desenhar, ler, brincar com brinquedos no quarto. Ele decide, claro.


A busca por uma vida mais organizada – Parte III – Das minhas Metas


Este texto tem quatro partes. Esta é a terceira. Aqui estão as partes I, II e IV.


Sabe a velha história de "ano novo, vida nova"? Mais ou menos isso...
 

Embora não acredite em "resoluções de ano novo", acredito que toda mudança tem um começo. Eu já estou cansada desse ciclo que tanto se arrasta, já tenho buscado soluções há tempos e lido muito a respeito. Agora, com a virada do ano, vi muita gente escrevendo idéias de organização, mudança, objetivos: colocar tudo no papel. Pode ser bobagem, é claro, repito que o papel aceita tudo que nele for escrito. Mas talvez tomando como metas algumas coisas simples, objetivas, claras e factíveis, isso possa realmente ajudar. Podem notar que escrevo "possa", detestaria voltar aqui em alguns meses e ler "resoluções" não cumpridas, do tipo "a partir de hoje, vou a, b, c, d". Até porque já me conheço de outros carnavais. Quando estava grávida (santa ingenuidade), fiz uma lista de horários de mamadas, sonecas e passeios até os seis meses de idade e outra pra depois dos seis meses. Não conhecia ainda o conceito de amamentação em livre demanda e, acho que como toda mãe de primeira viagem, achava que o bebê seria como um boneco ou uma extensão de mim, que dorme, acorda, mama na hora que queremos. Até hoje quando releio essas anotações rio da minha ingenuidade e ignorância.

Enfim, não quero escrever resoluções absolutas como se declarasse que "o sol vai nascer amanhã". Quero ter metas. E sei que não vou cumprir tudo de uma vez. Então juntando alguns conselhos que li (não dados diretamente a mim), o mais importante sendo da Anna Gallafrio, mas com ideias de outros lugares, resolvi colocar no papel. O que eu quero fazer? Quando? Como vou fazer pra isso acontecer? Comecei a estruturar isso dois dias atrás, mas só agora consegui sentar para escrever um texto a respeito. Além disso, tenho lido bastante sobre educação infantil, homeschooling, unschooling (assunto pra outro post) e contato entre pais e filhos. Minha ideia não é tirar o filho da escola, mas tirar as regras escolares da minha cabeça. Menos "presta atenção, senta direito, faz assim, faz assado" e mais espontaneidade, brincadeiras não-direcionadas, contato e conexão. Enquanto estiver com meu filho, na rua e em casa, quero poder realmente estar com ele, por mais difícil que isso seja pra todos nós, adultos. Simplesmente estar junto, sem relógio, computador, celular, conversas paralelas ou cabeça na lista de compras. Li um pouco do Conexão Pais e Filhos, um pouco do Tudo Sobre Minha Mãe e um pouco do Simple Homeschool. Estou tentando adaptar tudo isso à minha realidade e às minhas expectativas.

Então finalmente, o motivo pelo qual escrevi esse texto: minhas idéias de mudança.

Comecei fazendo uma lista das coisas que quero fazer em 2014:


Com o Apolo:
- brincar +
- ter horários + organizados
- melhorar a alimentação
- + passeios
- + ajuda na organização da casa (sim, tem que aprender cedo, eu não aprendi)

Comigo:
- me alimentar melhor
- organização do tempo
- organização da casa
- exercício (sedentária total no momento, nenhuma tentativa perdura)
- ler: lazer (quer dizer ler livros, aqueles que sempre quis e nunca li)
- escrever: blog
- escrever: projetos (aqui uma questão pessoal/profissional)
- menos computador
- mais contato com amigos